quarta-feira, 17 de março de 2010

INSTÂNTANEOS DE INFÂNCIA


Quando eu era um menino
eu e meus irmãos brincávamos
no chão do quarto
jipes, helicópteros, naves espaciais
e castelos se misturavam, criando um eterno presente.

Brincávamos jogos de guerra,
brincadeira de meninos que vão se tornar homens.
Todas as tardes, cidades queimavam e homens explodiam
eu era o mais velho, sempre vencia
e meus exércitos carregavam minha bandeira, limpando o sangue dos vencidos.

Meu império se estendia da minha cama à porta do nosso quarto,
passando pelos vales entre as camas dos meus irmãos
e pelas pradarias dos tapetes surrados.

Nossas guerras eram inocentes, brincadeiras
no dia seguinte, os mortos haviam ressuscitado, a destruição nunca acontecera
e os vencidos do dia anterior podiam ter esperança na vitória.

Quando eu era menino
a pequena cidade parecia metrópole, com seus canais e ruas
praças e parques
e a praia gigantesca monstruosa estendia-se
até onde meus pequenos olhos podiam ver
O vento carregava o perfume do maré serpenteava por entre os prédios e casas
junto ao sol imortal.

caverna do dragão atari eduardo dusek blitz
fofão & turma do balão mágico xuxa
madonna colares e pulseiras cabelo repicado miami vice labirinto & menudo
eu fui criança antes do final do século, nos anos 80
quando ainda havia medo do exército, tanques e jipes, quando o gibi do carnaval seguinte custava outra moeda na páscoa
pelado pelado nu com a mão no bolso nos invadíamos sua praia

no Parque Rebouças, no inverno frio de julho brincávamos em um labirinto e em um castelo correndo e pulando armas falsas em punho e casacos amarrotando em nossos corpos
minha mãe sentada em um banco nos observava
gritando não corre, Thiago

Pequenos retratos instantâneos perdidos no tempo de quando eu era menino e a vida era mais fácil, quando não haviam dúvidas e o futuro parecia uma certeza, sem as dúvidas de hoje.

Um comentário:

  1. Gostei muito,
    Vou colocar aqui um outro sobre infancia é do Serginho Poeta meu truta, essa poesia fala de minha infancia e de outros milhões de crianças



    Soldados de Chumbo
    (Serginho Poeta)

    “Quando apagam a luz
    Da última cela do meu pavilhão
    Um clarão vem iluminar a minha janela
    É a lua
    Não sei o que seria de mim se não fosse ela
    O sentinela caminha de um lado para outro
    Acende um cigarro…
    Um carro passa por trás da muralha
    Não posso vê-lo, apenas ouvi-lo
    Não posso tocá-lo, mas posso senti-lo
    É engraçado
    Não fosse pelo andar desengonçado
    Pela deselegância
    Diria que o homem fardado
    Se parece com alguns soldados de chumbo
    Que ganhei na minha infância
    Minha mãe trabalhava
    Por quanto tempo durasse o dia
    E acaso, não fosse o bastante
    Seu esforço tinha a noite como companhia
    Às vezes, me levava para o emprego
    E eu ficava confinado à área de serviço
    Talvez porque a patroa não gostasse de negros
    Circulando pelos cômodos do seu luxuoso cortiço
    Quando acordava de bom humor
    Danava-se a falar do moleque sem cor
    Que queria que fosse engenheiro
    Sei que minha mãe sonhava pra mim
    Um futuro semelhante
    Mas quando olhava pro neguinho
    Com ar de maloqueiro
    Arriava o semblante e sofria
    Como quem descobre uma infinita distância
    Entre desejo e realidade
    Certo dia
    A madame me deu de esmola
    A Guarda Real Britânica
    Em formato de miniaturas
    Criaturas sem pernas ou braços
    Que o pequeno engenheiro enjoou
    Eu tinha, lá em casa
    Uma tribo com dezenas de caixas de fósforos
    Daquelas amarelas
    Com a figura de um índio estampado nos rótulos
    Vivazes, meus amigos me eram sagrados
    E estavam sempre prontos
    Para conterem a invasão
    Dos soldadinhos amputados
    Outros mais me foram dados
    Mas minha tribo sempre vencia
    Por mais que o pelotão crescesse
    Era como se pelo menos ali, naquele dia
    O neguinho também vencesse
    Eu era pequeno, gigante na minha imaginação
    Não creio que o fabricante mais astuto
    Pudesse imaginar que seu produto
    Fosse além de acender cigarro ou fogão
    À noite
    Quando minha mãe voltava pra casa
    Silenciávamos-nos a todo custo
    Para velarmos seu sono tão justo
    Depois, cada peça do meu invento
    Ia para debaixo do colchão
    Ao lado do bloco de cimento
    Que sustentava minha cama
    A dois palmos do chão
    Quando Deus achou que era a hora
    Resolveu levar minha santa senhora
    Antes que ela pudesse perceber
    No que a vida me transformou
    Se foi ganância, fraqueza ou necessidade
    Não sei
    Ninguém nunca me explicou
    Amanhã, é dia de visita
    Meu filho, a criança mais bonita
    Virá me conhecer
    Vou rezar até o amanhecer
    Para que a vida também não o torne um bandido
    Para que seja talvez como minha mãe sonhou
    Um profissional bem-sucedido
    E se acaso eu perceber
    Que ainda existe uma infinita distância
    Entre desejo e realidade
    Maior terá que ser meu pensamento
    Mais forte há de ser minha vontade!”

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